quinta-feira, 26 de junho de 2008

Jornalismo crítico x crítica do jornalismo em Moçambique

Há uma certa confusão que permeia os debates sobre o Jornalismo em Moçambique, e que é reproduzida pelo jornalista genérico.

O que significa um jornalismo imparcial e objectivo? O que seria um jornalismo crítico? É possível um jornalismo neutro?

Visto que o jornalismo trata, necessariamente, de um facto que é um recorte da realidade, seja ele um recorte micro (o que aconteceu ontem) ou um recorte macro (algo que acontece há 15 anos), o facto é que existe sempre uma selecção de factos e isso se dá, visto que a realidade acontece de maneira contínua, e não só, como também de maneira simultânea, ou seja, os eventos se desenrolam de maneira simultânea e ao longo do tempo.
Há, portanto, necessariamente dois recortes que precisam ser feitos para definir um evento: a sua duração no tempo e a sua posição perante outros acontecimentos que ocorrem de maneira simultânea no tempo.

A partir de tal recorte, os eventos se definem mutuamente, não existindo no entanto um recorte objectivo. É possível que se façam vários recortes, ou seja, um evento X pode fazer parte de outros eventos em recortes distintos.

Há tambem um quê de arbitrário imposto pela própria situação: como recortar e qual recorte seleccionar?

O jornalista precisa se posicionar duplamente, ao decidir como recortar os eventos ocorridos e ao seleccionar os eventos considerados como relevantes perante os demais.

Notem que, aqui, o jornalista age de maneira objectiva, mas não faz sentido falar em imparcialidade ou neutralidade. Se existe a necessidade de tomar uma decisão, ela não pode ser neutra ou não tomar partido. Num sentido mais amplo, este recorte implica num engajamento do jornalista. Não se pode escapar disto.


Até aqui tratamos de como o jornalista escolhe o evento a ser tratado. A questão distinta é saber como ele trata tal evento. Aqui, sim, entram noções como objectividade, imparcialidade e neutralidade.

O que significa ser objectivo?
Significa retratar os factos e não a opinião do jornalistas sobre os factos. Ou melhor dizendo, para acabar de vez com a questão, significa retratar a opinião do jornalista sobre como a realidade é. Até porque se os factos fossem retratados como eles são, não seria um retrato, mas o próprio facto. Enfim, deixemos a filosofia de lado...

A neutralidade é um conceito parecido, co-irmão da objectividade, embora seja de aplicação mais restrita. Normalmente é usada para descrever a posição não-opinativa do jornalista diante de uma controvérsia. Neutralidade não significa ausência de opinião, mas simplesmente a não-manifestação da opinião. Se eu escrevo um texto sobre a situação Zimbabueana e me posiciono a favor de um lado (pró, ante), eu não estou sendo neutro.

Parecido com neutralidade é o conceito de imparcialidade. Talvez este seja o critério mais difícil de ser atendido. Uma reportagem que seja objectiva (retrate a opinião do jornalista sobre os factos) e neutra (o jornalista se priva de expressar sua opinião sobre uma disputa) pode não ser imparcial. E como? A imparcialidade parece nos remeter a duas posturas conflitantes: igualdade de tratamento a opiniões divergentes e tratamento proporcional a relevância de opiniões divergentes.

Uma reportagem retrata a divergência. Não tem como objectivo encerrá-la, nem decretar um vencedor.
Como deve proceder, no entanto, ao descrever uma controvérsia?
Deve dar maior peso a opinião da maioria ou deve representar os pontos de vista possíveis com os mesmos pesos? Ou será que deve dar maior peso não ao que a maioria acredita, mas sim ao que uma maioria qualificada sustenta?

É muito difícil para qualquer veículo se defender como imparcial. Não acho, no entanto, que seja tão difícil assim identificar que um veículo de comunicação é geralmente objectivo e neutro. Seria o lugar da técnica jornalística.

A tomada de posição se dá, portanto, em dois momentos: no recorte dos eventos e sua posterior selecção, e no peso dado a dois lados de uma mesma controvérsia. Por mais que um veículo pretenda a imparcialidade, sempre haverá um julgamento em relação ao peso que se deve dar a cada posição e aqui os critérios são vários.
O critério mínimo de representar os dois lados da mesma questão é insuficiente em vários casos, e, o critério máximo de representar igualmente os dois lados é também por vezes inadequado (um negador do Holocausto e alguém que afirma que ele tenha ocorrido, por exemplo).

Há certo jornalismo que se pretende crítico, que faz uma crítica ao jornalismo convencional, como se este ignorasse que há uma decisão na hora de delimitar e escolher os factos relevantes e na forma de apresentar as divergências existentes. Mas tal jornalismo crítico, ao fazer a crítica ao jornalismo, se esquece que ele mesmo está submetido a estas escolhas. A maioria se defende dizendo que eles admitem fazer escolhas e alguns até mesmo simplesmente afirmam que as suas escolhas estão 'certas' e as dos outros erradas.

Mas aqui há um problema: dizer que se faz escolhas 'certas' é apenas descrever que se escolhe algo porque se acha 'certo'. Só que, de maneira subtil, se coloca a própria posição longe da crítica possível, ou seja, aquilo que era uma crítica ao fato do jornalismo não reconhecer que toma partido (e em certo sentido, toma mesmo) se transforma numa crítica ao fato do jornalismo tomar CERTOS partidos. Tomar o partido CERTO não seria problemático.

Por exemplo, o jornalista crítico condena o jornal “ Z ” por escolher tratar de um determinado assunto em sua capa. Mas ele não pode criticar tal escolha 'enquanto jornalista', já que aquele recorte é um ato necessário da prática jornalística. Pode-se criticar a escolha? Sem dúvida, mas esta crítica precisa se colocar no mesmo nível da defesa da capa, ou seja, no debate público das ideias.

Da mesma forma, não se pode acusar uma matéria X de ser parcial, quando não parece existir nenhum padrão para que se verifique, de maneira não-controversa, que uma matéria é imparcial, isto é, que uma matéria escrita pelo nosso jornalista crítico é tão potencialmente parcial quanto a matéria X. No fundo, nosso jornalista crítico parece criticar a parcialidade da matéria X simplesmente porque apresenta, de maneira preponderante, um ponto de vista do qual o nosso jornalista crítico discorda. Mas ao invés de explicitar a sua crítica ao ponto de vista preponderantemente exposto em X, nosso jornalista crítico prefere acusar a parcialidade de matéria, como se, ao fazê-lo, equivalesse os pontos de vista apresentados.

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