quarta-feira, 5 de março de 2008

O conceito de serviço público em Moçambique, a partir do exemplo da Televisão de Moçambique (TVM).

Ora acredito que existe uma distinção entre o serviço público tal como tem sido anunciado nas leis e nos contratos estabelecidos, entre o Estado e a TVM, e o que tem sido implementado. E, diante de duas realidades diferenciadas. Temos no quadro legislativo e regulador uma preocupação com os media, objectivos culturais, objectivos informativos, mas aquilo a que temos assistido é um deteriorar do serviço público, uma progressiva comercialização da programação. Entretanto, no nosso país isto parece desconhecido.

Um outro ponto, importante e que se devia discutir em torno dele é a questão das publicidades. Não se pode desligar a publicidade de toda uma estratégia do serviço público, e digamos, de todo um conjunto de financiamento de canais televisivos num determinado país.

Admito a possibilidade de um serviço público de ter publicidade dentro de determinados limites, mas não é necessariamente esta a melhor forma. Há várias possibilidades: no Reino Unido, por exemplo, a BBC não tem publicidade. Portanto, penso que a TVM deveria ter apenas publicidade institucional, o que significa na prática que essa publicidade que não entra na TVM será deslocada para as televisões privadas, por serem as mais cruscificadas.

Eu defendo a existência de um modelo que compreenda a Televisão pública e a privada. Portanto, eu sou a favor da idéia: que a TV pública devia ter outros canais ao nivel regional ou provincial . Que tornaria viável, o que é perfeitamente possível. Com funções diferentes, o que seria bom do ponto de vista da propriedade, a lógica não ser exatamente a mesma...

Agora, termos uma televisão do Estado não significa termos uma televisão do governo. É necessário garantir mecanismos para que as televisões do Estado consigam independência financeira relativamente aos governos do dia e isso me parece que não temos conseguido em Moçambique.

A TVM é do Estado - propriedade do Estado - mas não deixa de ser uma Televisão pública, ou seja, prestar um serviço público. O que não me agrada é a questão da qualidade deste serviço público e a possibilidade da TVM estar oferecendo um serviço de maior qualidade que corresponda às exigências de uma cidadania, com maior responsabilidade social...

A história da Televisão de Moçambique (TVM) não é uma história animadora. É uma história bastante trágica. Se quisermos analisar bem, sempre foi uma empresa que começou no tempo do Socialismo-utópico, sempre a serviço do poder - e este, autoritário. Depois, com a democracia, a TVM cresceu, desenvolveu, transformou-se, mas nunca deixou de estar sob a alçada do poder político de formas mais ou menos sutis. Foi muito subserviente ao poder político. Penso que a TVM não tem uma história animadora, mas isso não significa que as coisas têm que ser sempre assim.

Não significa que não precisa mudar. Penso que a TVM poderá se afirmar, como um verdadeiro serviço público de televisão. Pode implementar uma outra realidade. A TVM sempre teve legislação, sempre teve contratos de concessão que lhe permitiriam ir mais longe, permitiriam fazer-se posicionar enquanto estação de serviço público completamente diferente.

A verdade é que a TVM nunca teve administrações que o quisessem fazer, nem condições políticas, econômicas... Nunca tiveram de facto, condições para implementar e garantir um verdadeiro serviço público de televisão. Contudo, não devemos ser derrotistas. A TVM pode se transformar numa empresa com características diferentes, pode prestar um serviço melhor. Mas não é muito animadora sua história!

Entretanto para finalizar, penso que as televisões na sua grelha também são uma narrativa, são discurso e uma forma de um país se dizer, se contar. Portanto, é natural que nós, como cidadãos, como consumidores, telespectadores, aquilo que nós ouvimos e aquilo a que nós temos acesso contribuem para nós nos pensarmos, contribuem para o desenvolvimento de uma imagem de nós próprios.

Portanto, eu penso que a televisão tem um papel quanto à forma como os Moçambicanos se vêem a si próprios. Porque aquilo que é narrado, seja nas televisões, nos telejornais, na ficção nacional e etc, ajuda-nos a pensar a nós próprios. Neste sentido, não apenas a Televisão pública, mas em geral, contribui para essa construção identitária - para nos vermos, nos olharmos, nos pensarmos com as características que são nossas e não de outras. A televisão moçambicana não diz Malawi, Zimbabwe, diz Moçambiquel. Diz-nos a nós. Penso que não há um esforço deliberado no sentido na manutenção ou defesa dos valores que são muitas vezes associados à nação, ao povo. Tudo acontece, mas de maneira muito sutil, a partir da imagem que construímos e que reconstruímos sobre nós próprios.

Não será tempo de pensar numa TVM melhor ?