sexta-feira, 13 de junho de 2008

A bióloga Mary Maxwell diz que "o nepotismo é a norma para as espécies sociais. [...] a prática do nepotismo define as espécies sociais" (grifos no or

Moçambicracia possível

No momento em que a sociedade Moçambicana assiste às disputas em torno da legalidade e da legitimidade das nomeações de parentes para cargos de confiança, a discussão em torno do tema parece não estar a ganhar dimensões mais públicas, In praise of nepotism, livro do jornalista norte-americano Adam Bellow, é uma boa oportunidade de debater teoricamente a questão. Sobretudo porque, como o próprio Bellow ressalta, existem pouquíssimas pesquisas sobre o nepotismo: "Um dos aspectos mais notáveis do nepotismo é que ninguém escreve/escreveu um livro ou artigos de opinião sobre o tema". Nosso País é um exemplo típico do descompasso entre a relevância sociológica da prática do nepotismo nas instituições e os poucos estudos dedicados ao tema.

O livro divide-se em duas partes. A primeira analisa os tipos de nepotismo praticados em diversas épocas históricas, em diferentes civilizações e sociedades; a segunda, faz análise da história do nepotismo nos Estados Unidos.

Cada capítulo da primeira parte é uma instigante discussão sobre o nepotismo em sociedades não-ocidentais, entre hebreus, gregos, romanos antigos e na cristandade ocidental e, ainda, uma descrição das estratégias nepotistas dos Bórgia, dos Bonaparte e dos Rothschild.

A parte referente à história do nepotismo nos Estados Unidos é uma análise mais preocupada em avaliar as práticas de nepotismo das grandes e influentes famílias e das lideranças políticas norte-americanas.

Um dos principais argumentos do livro é que o nepotismo na política (e também nos negócios, desportos etc.) americana tem um sentido duplo.

Primeiro, mostra que o nepotismo venceu parte das resistências do sistema que o autor chama “meritocrático” porque é constitutivo da natureza humana. Bellow aponta as evidências da sociobiologia para sustentar a persistência das diversas formas de nepotismo nas sociedades humanas, recorrendo por vezes à comparação com comportamentos de outros animais para mostrar os impulsos naturais que nos levam a favorecer nossos parentes. A propensão natural que fomenta o nepotismo é canalizada de acordo com os diferentes padrões culturais que, nas sociedades modernas dos últimos dois séculos, sob o manto da ideologia “meritocrática”, passaram a se contrapor de modo crescente a qualquer prática de nepotismo.

De facto, como Weber, Parsons e outros sociólogos já ressaltaram, a diferenciação social crescente das sociedades modernas apresenta uma clara tendência de separar e reduzir a importância dos vínculos de parentesco em todas as esferas sociais, como a política, a economia e a religião. Para Bellow, a sociedade americana experimenta, em parte, uma tendência em sentido contrário. Baseado em sociobiólogos como Steven Pinker, Mary Maxwell e Edward O. Wilson, o autor escreve que "nosso bias cultural contra o nepotismo pode estar mascarando nossa visão sobre seu verdadeiro carácter." A sociobiologia adverte que o nepotismo é natural (daí o subtítulo do livro) e que a prática existe porque está inscrita em nossos genes.

O livro avança o argumento e procura demonstrar que as sociedades humanas inovaram nas formas de nepotismo biológico porque há dois aspectos qualitativamente distintos do nepotismo das outras espécies: o nepotismo paterno (ao lado do universal nepotismo da mãe em relação ao filho) e o nepotismo estendido, surgido com os novos laços de nepotismo dos sistemas culturais de parentesco. Duas motivações fundem-se no nepotismo dos humanos: o "imperativo reprodutor", isto é, a necessidade do gene se perpetuar nas gerações futuras e os fins culturais, isto é , "a transmissão de propriedade, conhecimento e valores de uma geração à outra" (p. 78). Essa tendência a favorecer os parentes mais próximos, no entanto, pode assumir muitas formas e, com isso, seu conceito de nepotismo via se alargando, quase perdendo utilidade heurística.

Para Bellow, nepotismo é todo favorecimento derivado dos vínculos de parentesco. Favorecimento é um termo que se refere às decisões que não se baseiam exclusivamente em critérios “meritocráticos”. Porém, o autor não diferencia a esfera pública da esfera privada, de modo que a prática do nepotismo pode se estender a todas as instituições da sociedade, como as desportivas, as artes, o jornalismo e as empresas privadas, das quais 95% ainda são controladas ou administradas por famílias nos EUA.

A análise relativa ao nepotismo na América é motivada pela curiosidade em saber se há paradoxo no revigoramento do nepotismo na sociedade norte-americana - e sua relativa aceitação social, apesar dos princípios individualistas e “meritocráticos”/igualitários da forte tradição liberal daquele país. Mas o que pareceria, à primeira vista, um paradoxo, se desfaz, porque o novo nepotismo americano é de tipo "meritocrático" (Bellow), ou seja, aquele nepotismo que resulta do bom desempenho e mérito dos descendentes.

Ao longo da história política e administrativa americana, o nepotismo foi ganhando visibilidade devido ao conflicto crescente entre as atribuições de direitos por mérito ou nascimento. O desenvolvimento da democracia moderna fez o pêndulo oscilar continuamente para o mérito, e as prerrogativas (ou privilégios) associadas à descendência consangüínea foi perdendo relevância no sistema representativo. Como o antigo nepotismo se caracteriza (ou se caracterizava, no caso dos EUA) por atribuir direitos independentes do mérito e apenas por motivos de parentesco, o resultado foi a ampliação do estigma do nepotismo à medida que os valores meritocráticos se alastravam pelas sociedades.

Em um grau de abstração maior, Bellow nos mostra que há diferenças do nepotismo praticado nas tribos africanas, castas indianas e clãs chineses e aquele característico da era cristã no Ocidente. "Em todas as sociedades nepotistas, antigas ou clássicas, o indivíduo como tal não existe separado da família e do grupo de parentesco. [...] O nepotismo ocidental, apesar de emergir do mesmo complexo institucional, valores e práticas, foi muito mais individualista que seus precursores antigos e clássicos" (p. 158). No Ocidente, houve um declínio gradual do grupo de parentesco e o fortalecimento correspondente da autonomia individual, resultado do desenvolvimento do Estado, da Igreja e do mercado, que foram decisivos no enfraquecimento dos grupos tribais e dos vínculos primordiais.

O capítulo VI, por exemplo, descreve a "era de ouro do nepotismo", período entre os séculos XVI e XVII da Europa, onde as relações sociais feudais já estavam em acentuado declínio e o desenvolvimento da burocracia dos Estados modernos - que também estão se formando - ainda não havia se consolidado. Neste terreno, a ambição dinástica prosperou e com ela, o nepotismo irrestrito. Exactamente nesse período, o nepotismo começou a ganhar as conotações negativas que se associam à prática, pois a distinção entre esfera pública e privada foi ganhando corpo. A história europeia, doravante, passa a ser o conflito permanente entre as forças da solidariedade nepotista e sua tríade rival: o individualismo, a eficiência de mercado e a ideologia “meritocrática”.

Ao analisar o desenvolvimento do nepotismo nos Estados Unidos, alguns notáveis da história desse país têm sua trajectória pública examinada de um novo ângulo: o uso das relações familiares como instrumento de promoção das carreiras públicas. Benjamin Franklin, George Washington, John Adams, Thomas Jefferson - para quem a "dádiva do cargo [de presidente]" era um "terrível fardo" que oprime qualquer chefe do Executivo -, Andrew Jackson - pai fundador do "spoils system" -, Lincoln, os Roosevelt, os Kennedy, entre outros.

Bellow retoma, no final do livro, a discussão sobre a natureza do novo nepotismo ressaltando que ele tem duas diferenças em relação às formas clássicas. No novo nepotismo, as carreiras dos filhos são definidas por estes, não por seus pais, o que aumentou o grau de liberdade dos descendentes. Mas o traço mais marcante e distintivo das novas formas de nepotismo é combinar os critérios de nascimento com os critérios de mérito, de modo que a trajectória da carreira dos descendentes se torne muito mais compatível com os modernos critérios democráticos. "O novo nepotismo difere ao combinar os privilégios do nascimento com a lei de ferro do mérito, de modo muito menos ofensivo à sensibilidade democrática" (p. 15).

O novo nepotismo do sistema social norte-americano concilia um impulso biológico - promover os seus descendentes - e um valor moral que lhe é antagónico: o sistema de mérito. O resultado, o nepotismo meritocrático, continua a manter fracção expressiva das posições-chave do sistema social, ocupada por herdeiros biológicos. Porém esses herdeiros carregam não apenas os genes, mas as qualificações indispensáveis à posição que ocupam: "Cada sociedade […] desenvolve uma fórmula adequada para as suas necessidades e condições. A América desenvolveu uma que representa a acomodação histórica entre nossa necessidade de continuidade social e biológica e nosso ideal liberal". É isso que singulariza o contemporâneo nepotismo norte-americano em relação ao nepotismo das oligarquias gregas e romanas, das castas indianas ou das tribos africanas.

Ao fim do livro de Bellow, o que se vê é uma longa e detalhada história sobre a prática de favorecimento de parentes na esfera política e dos negócios, levada à frente por políticos e empreendedores capitalistas.

Mas sua análise é confusa quanto ao conceito de nepotismo. O nepotismo, para Bellow, não se restringe apenas à esfera pública ou à administração pública. Além disso, a certa altura há referências ao "nepotismo étnico", para descrever formas de favorecimento que não necessariamente se associam ao parentesco, mas a outros tipos de vínculos de lealdade. Lá pelo final do livro, por exemplo, propõe a refundação dos "pais mitológicos" da sociedade norte-americana, como forma de alterar a percepção social dos cidadãos, e, dessa forma, fazer com que eles se percebam como membros de uma mesma "família nacional": "Assim como Clovis fundou a nação francesa, afirmando que francos e gauleses eram ambos descendentes de heróis troianos, os futuros cidadãos da multirracial América desejam pensar a si mesmos como "filhos" de Thomas Jefferson e Sally Hemings" (p. 484). De tão maleável, é difícil pensar em termos comparativos e analiticamente úteis o uso do termo nepotismo. Além disso, se como a passagem mostra, o nepotismo é, em última instância, subordinado aos sabores das representações sociais, como subordiná-lo ao imperativo biológico, que Bellow tanto enfatiza?

Voltando os olhos para o Moçambique, In praise of nepotism nos faz pensar sobre a importância do nepotismo na administração pública Moçambicana e quais as cosmovisões dos cidadãos, administradores e políticos sobre a questão.

Neste momento, vemos o confronto entre a visão liberal-progressista, que associa o nepotismo ao atraso de uma administração com fortíssimos traços patrimoniais-burocráticos, e a visão alternativa, que parte expressiva dos políticos partilha - e que não fogem muito dos argumentos do nepotismo meritocrático - segundo a qual não há problema em ter parentes empregados se eles estão trabalhando como qualquer outro funcionário. Neste caso, dizem, entre um parente-técnico e um técnico não-parente, a primeira escolha é sempre mais lógica e racional, especialmente em um sistema político como o nosso que estende os braços por todos os escalões da administração pública com as incontáveis "nomeações de confiança". No que tange à nomeação de assessores directos, a lógica da nomeação dos parentes soa ainda mais implacável; afinal, argumentam os políticos, como indicar alguém que não seja da extrema confiança, em um terreno marcado por rasteiras e traições como é a política faccional Moçambicana? A variável fundamental para justificar a contratação é a confiança no nomeado, que, via de regra, é máxima, quando se trata de um parente próximo.

Outro aspecto que também parece encontrar ressonância na sociedade Moçambicana - a outra face da lógica que acabei de mencionar - é que nós não nos opomos tanto ao nepotismo ou ao nepotista, mas sim àquele que foi indicado, quando não apresenta competências específicas.

"O nepotismo parece ser um problema apenas quando o beneficiário é manifestamente desqualificado" (p. 11), diz Bellow sobre a percepção social dos norte-americanos.

O ponto é que temos que começar a viver momentos de mudanças cruciais no debate público no que se refere à prática do nepotismo. Os ataques a esta pratica não são crescentes e uma onda moral em favor de sua proibição parece estar longe de ganhar fôlego na sociedade civil. Mas será que vamos continuar a conviver com esta prática suficiente para não produzir mudanças importantes na administração pública Moçambicana? A crer na posição e no desejo de Bellow, isso é improvável já que, "no fim da história, não há dúvida: o nepotismo deve e continuará" (p. 78). Não teria Bellow que dar uma olhada nos sistemas administrativos mais burocratizados do mundo para temperar sua convicção?

No nosso país, instituições públicas de um modo geral "abusam" do nepotismo, gerando indignação e inconformismo no cidadão e na sociedade.

Não será este o tempo para que a Assembleias República, sociedade civil e outras entidades competentes discutam para se aprove um projecto ou lei proibindo a contratação de parentes na administração pública?

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Karl Marx e Friedrich Engels (1847)

"A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, como isso, todas as relações sociais.

Essa revolução contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes.

A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da vida rural. Do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, os países bárbaros ou semi-bárbaros aos países civilizados, subordinou os povos camponeses aos povos burgueses, o Oriente ao Ocidente.

A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população.

Aglomerou as populações, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos".

Karl Marx e Friedrich Engels (1847)

terça-feira, 10 de junho de 2008

Desinteresse dos jovens pela política

Com três décadas de implantação da democracia no país, importa perceber o porquê do desinteresse acentuado dos jovens pela vida pública.

A meu ver, há três factores principais que estão na base deste acentuar da indiferença e do alheamento perante a política: as políticas neoliberais que acentuam o individualismo; a má imagem da política aliada a má imagem dos partidos; o desemprego e a precariedade no trabalho.

O primeiro factor deriva das mudanças sociais e económicas mais gerais que, nas democracias ocidentais, têm conduzido a um aumento do individualismo, do consumismo e da desfiliação, devido às pressões do mercado, aspectos largamente acentuados pela globalização neoliberal.

A isso soma-se a perda de importância da família na educação, a falência das políticas educativas nos seus diferentes níveis (básico, secundário e superior), sobretudo naquilo em que o sistema de ensino poderia contribuir para a consciência democrática das novas gerações. A história recente da nossa democracia está completamente alheada da actual juventude. A falta de atenção dada pela escola à formação cívica e política dos jovens é uma das razões para a crescente indiferença.

No entanto, o individualismo, a concorrência, o salve-se quem puder, deriva, naturalmente, da força do mercado e dos seus instrumentos, sobretudo as indústrias do marketing, da publicidade e da moda que, com os poderosos meios audiovisuais que têm ao seu dispor, modelam as orientações e subjectividades juvenis.

O segundo factor prende-se com o funcionamento dos partidos políticos e a sua crescente perversão aparelhistica e burocrática. O discurso repetitivo, as promessas não cumpridas, a defesa obsessiva do pequeno poder, as alianças promíscuas, a recusa do debate público aberto, etc, só contribuem para cavar o divórcio entre os jovens e a política.

Essa atitude dos partidos reflecte-se nas instituições públicas (em geral por eles dominadas), na sua falta de transparência (desde logo no plano local) e na forma burocrática como os utentes e cidadãos são tratados. Para além disso, os partidos vêm cultivando o carreirismo e o seguidismo, ao mesmo tempo que esquecem e abandonam (ou pelo menos remetem para segundo plano) o debate ideológico e a discussão política.

Contudo, as estruturas das juventudes partidárias parecem limitar-se a reproduzir, senão mesmo a acentuar, essa mesma lógica tecnoburocrática. O mesmo se passa no associativismo estudantil. O calculismo, a estratégia pessoal ou a ilusão de aceder uma carreira na política, é o que mais importa na actividade do jovem e promissor quadro partidário. Percebendo isto, a massa da população juvenil (nomeadamente nas universidades) não vê nenhum estímulo em participar nas actividades cívicas e associativas.

Finalmente, a questão laboral e da precariedade no emprego é outro motivo para a indiferença da juventude perante a política e o associativismo.

Exemplo disso vive-se nas instituições no país, embora gritem contra a precariedade, não se mostram capazes de atrair os jovens para as suas estruturas. Porquê? Há um discurso, igualmente gasto e repetitivo, o egoismo, centralização do poder e falta de consideração que não consegue desligar-se do velho modelo, da permanente auto-vitimização ou do auto-elogio, julgando-se ainda no centro da transformação histórica (embora já sem vanguarda).

Tudo isto é agravado pelo facto de serem os jovens as maiores vítimas nas instituições públicas, do desemprego, dos recibos verdes, dos contratos a termo, numa palavra, da precariedade e barreiras no trabalho. Os que já trabalham e estão nestas condições, têm poucas possibilidades de intervir, criticar e de desenvolver suas faculdades e habilidades criactivas. À indiferença junta-se também o medo.

Muitas vezes os que estão à procura do primeiro emprego ou a terminar os seus cursos, estão dispostos a tudo, mas a vontade política associada aos interesses individuais, muitas vezes protegidos por partidos políticos e ao nepotismo, Compete aos dirigentes políticos mudar de atitude e mostrar na prática a mudança. Compete às instituições públicas, ao governo e a todos nós investir mais na construção de uma cultura democrática para a juventude do século XXI.