quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Políticos devem apresentar alternativas credíveis e realizáveis - pedem bispos católicos de Moçambique em Carta Pastoral


TODOS os cidadãos devem ser tolerantes e abertos ao diálogo. Ter ideias diferentes e pertencer a um partido não deve ser motivo de desprezo, discriminação ou ódio. Ninguém deve ser perseguido, nem violentado, de uma maneira ou de outra, por causa da sua escolha. Abertura, diálogo e tolerância fazem parte da democracia, da liberdade e do respeito pelos direitos individuais e colectivos. Por isso, candidatos que incitam de algum modo à violência, à obstrução das campanhas dos candidatos adversários, manifestam fraca ou nula capacidade de abertura, diálogo e tolerância, por isso mesmo, não merecem o voto do povo – escrevem os Bispos Católicos de Moçambique em Carta Pastoral intitulada “Exigência de Eleições Livres, Justas e Transparentes” datada de Agosto corrente.

Exortam ainda para que os políticos nunca se candidatem na única perspectiva de manter o actual estado de coisas ou, pior ainda, de consolidar a busca do predomínio do bem individual ou de grupo, em detrimento do bem comum.

Esta não é a primeira vez que os bispos católicos se dirigem às comunidades cristãs e aos homens e mulheres de boa vontade sobre este tema. Assim o fizeram em cartas pastorais: Solidários Por um Moçambique Melhor – 1994; Votar é Contribuir para o Bem Comum – 1997; Votar é Servir a Pátria – 1999; Justiça e Transparência nas Eleições – 2003.

Fazem-no, segundo argumentam, no sentido de ajudar a participar na construção da democracia e da civilização do amor. Dizem ainda que não se trata de indicar em quem votar, mas tão somente de apresentar os pressupostos para uma escolha responsável, que só é possível quando se sabe o que se escolhe, porquê se escolhe e para que se escolhe.

Os bispos católicos de Moçambique recordam que o país teve experiências eleitorais que deixaram marcas profundas no curto percurso democrático até ao presente. De entre tais marcas citam: vontade de construir Mocambique melhor.

Indicam que esta vontade foi o denominador comum de todos os pleitos eleitorais realizados em Moçambique – um país flagelado pela guerra e que viu no Acordo Geral de Paz a soberana oportunidade de reconciliação do Rovuma ao Maputo.

Referem igualmente que as primeiras eleições que o país realizou após o AGP levaram os moçambicanos a caminhar em direcção à recuperação de valores que estavam perdidos, tais como a tolerância e o respeito mútuo e ajudaram a criar condições para a elevação da consciência do valor da unidade nacional – um só povo, um só país. Segundo acrescentam, as primeiras eleições democráticas despertaram a auto-estima, o orgulho de ser moçambicano e a consciência de que todas as contribuições, desde que tenham em vista o desenvolvimento do país, são bem-vindas.

Observam ainda que a participação do povo nas eleições em Moçambique não é apenas uma teoria ou um sonho. Ela é uma realidade vivida e consignada em vários documentos oficiais, nomeadamente as leis 7/2007, de 26 de Fevereiro, sobre a eleição do Presidente da República; 9/2007, de 26 de Fevereiro, sobre o recenseamento eleitoral para a realização de eleições; 10/2007, de 5 de Junho, que se refere ao quadro jurídico para a eleição dos membros das assembleias provinciais.

De acordo com a carta pastoral ora em alusão, depois do AGP desencadeou-se no país um processo de democratização. Uma das etapas do processo consistiu na liberalização de partidos políticos e hoje existem vários partidos registados que desenvolvem as suas actividades dentro do quadro legal estabelecido.

Consideramos que a existência legal de partidos em Moçambique é um dos sinais positivos que devem contribuir para a consolidação da democracia no nosso país, lê-se na carta.

A mesma salienta que o cidadão moçambicano tem várias formas de participação política que a lei lhe confere. Como tal tem o direito de se engajar livremente em grupos como as organizações de base, sindicatos, associações cívicas, ONG´s, organizações políticas e partidárias e organizações ou grupos religiosos. O documento sublinha que independentemente do grupo social, político ou religioso a que possa pertencer, o cidadão tem o direito e o dever de participar em todos os processos eleitorais. Frisam ainda que, com efeito, as eleições (presidenciais, legislativas, autárquicas e das assembleias provinciais) são a maior expressão de democracia, são a forma privilegiada pela qual o cidadão exerce o seu direito e dever de participar na melhoria das condições de vida dele próprio e do seu povo; são a melhor oportunidade para o cidadão exercer o seu direito de liberdade de escolha, são uma ocasião especial para o cidadão exercer o respeito pela opinião dos outros.

Se, por um lado, os bispos católicos de Moçambique apontam experiências positivas do período pós-guerra, nomeadamente as eleições até então realizadas, por outro indicam e lamentam a vivência de aspectos negativos nos processos eleitorais que inquietam a estabilidade política, ensombram a democracia e ameaçam a paz.

VIOLÊNCIA EM TEMPO DE “CAÇA” AO VOTO


Os clérigos anotam que a desenfreada caça ao voto e a tenaz vontade de ganhar cria condições propícias para convulsões socio-políticas. Para a Igreja Católica tornou-se habitual, com grande incidência nas zonas rurais, a ocorrência de escaramuças por causa da luta pelo protagonismo eleitoral.

Alguns partidos, durante as campanhas eleitorais, em vez de apresentarem razões e o valor dos seus programas sociais, em ordem a obterem mais votos optam, infelizmente, pela prática de irregularidades e violência que resultam no derramamento de sangue e eliminação de vidas humanas, denunciam os bispos.

Entendem ainda que a campanha eleitoral é o momento em que os partidos e as coligações de partidos concorrentes, bem como os candidatos individuais se apresentam ao povo para explicarem claramente as suas propostas de futura governação. Referem ainda que depois da campanha os cidadãos devem estar em condições de escolher livre e conscientemente as pessoas e o programa de governação que garantam a melhoria das condições de vida de todos os cidadãos.

Por isso, para que haja eleições livres, justas e transparentes, a campanha eleitoral deve ser realizada na igualdade de oportunidades dos candidatos, na liberdade de reunião e de manifestação. Se a campanha não for orientada de acordo com estas normas e de acordo com os princípios éticos elas não atingirão o seu verdadeiro objectivo, frisa a carta pastoral.

Neste sentido, os bispos católicos de Moçambique apelam a todos quer individualmente quer organizados em grupos para que evitem toda e qualquer provocação que possa desencadear actos de violência verbal ou física, em qualquer das fases de processos eleitorais, porque isso só contribui para manchar os princípios do diálogo e da tolerância que sempre caracterizaram o povo.

Aos líderes dos diferentes partidos políticos apelam a que mostrem a sua capacidade de liderança, fazendo tudo o que estiver ao seu alcance para que jamais se repitam os episódios de provocações, perturbações, violências e agressões que aconteceram no passado.

DESCRÉDITO NO TRABALHO DOS ÓRGÃOS ELEITORAIS


Os bispos católicos de Moçambique denunciam o que consideram de crescente descrédito pelos órgãos eleitorais alegadamente, porque os seus titulares, não raras vezes, manifestam explicitamente que estão ao serviço dos seus partidos, esquecendo-se que qualquer gesto de partidarizacão dos órgãos eleitorais e suas actividades são motivo para que as pessoas deixem de acreditar no seu trabalho.

Este descrédito pelos órgãos eleitorais, devido ao seu posicionamento partidário, revela-se na não aceitação dos resultados dos pleitos eleitorais, atitude que acaba manchando o árduo e abnegado trabalho desenvolvido por centenas de profissionais honestos e frustra milhões de moçambicanos que depositam as suas esperanças nessas instituições, denunciam.

A Igreja Católica entende, por outro lado que nesta fase da história a Comissão Nacional de Eleições e o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral têm melhores condições de se manifestar neutros, evitando tudo o que possa ser visto ou entendido como favoritismo para uns partidos em detrimento de outros. Por isso, segundo advoga o prelado, os órgãos eleitorais podem e devem hoje, mais do que no passado, conquistar a confiança de todas as forças políticas concorrentes aos actos eleitorais, da sociedade civil e do povo em geral.

Os clérigos apelam assim aos órgãos de administração eleitoral para que não cedam a nenhuma tendência de partidarizacão das suas actividades nem se deixem corromper, por mais exaltantes que sejam as promessas, porque a causa do bem comum é sempre maior do que qualquer tipo de compromisso.

Exortamos, portanto, a que procedam sempre em conformidade com a justiça e a lei, apresentando com honestidade estatísticas exactas, indicam.

Os órgãos de informação também são referenciados nesta carta pastoral em que se lhes alega a falta de imparcialidade.

De uma maneira geral, segundo o prelado, verifica-se que o partido no poder goza de privilégios na divulgação das suas acções, ou seja, há uma manifesta tendência dos serviços públicos de informação cobrirem eventos do partido no poder em detrimento de outros partidos. A consequência desta atitude é o progressivo descrédito do povo em relação a determinados órgãos de informação.

A Igreja Católica de Moçambique exorta desta maneira aos trabalhadores dos meios de comunicação social que não estão ao serviço de interesses de um determinado partido e que devem evitar tudo o que leve a manipular ou camuflar a informação.

Por isso devem primar por uma informação feita com imparcialidade, rigor e objectividade, salienta a Igreja.

Aos observadores nacionais e internacionais os clérigos pedem que ajudem a denunciar abusos e irregularidades, a garantir a realização de eleições livres, justas e transparentes, por via das quais se apurem os candidatos que farão crescer o povo moçambicano na sua identidade, na sua moralidade e no uso das suas riquezas.

Exortam ainda aos fiéis envolvidos profissionalmente na actividade política e de administração eleitoral para que evitem o dualismo entre a fé e a política, bem como a favorecerem ou a aceitarem favorecimentos da parte de qualquer força política, principalmente das forças concorrentes e dos candidatos aos pleitos que se avizinham.

ABSTENÇÃO NA VOTAÇÃO

Segundo a carta pastoral, se, por um lado, as primeiras eleições democráticas constituíram uma festa e mereceram os atributos sempre referidos, por outro, ao longo dos sucessivos processos eleitorais foi-se manifestando uma tendência crescente de abstenção por parte dos cidadãos recenseados.

Uma das razões, segundo os bispos, está ligada ao facto de ser cada vez mais notória a tendência de alguns partidos buscarem os seus objectivos particulares em prejuízo de objectivos comuns do país.

Outra razão prende-se com o facto de alguns partidos manipularem os dados e informações sobre a realidade do país, faltando assim a verdade ao povo. Outra razão ainda é que o cidadão comum continua a sofrer com a fraca e deficiente qualidade de prestação do serviço público por causa da corrupção, da morosidade e da pouca disponibilidade de muitos funcionários para atender às necessidades imediatas do povo, o que torna as repartições públicas lugares pouco desejosos para os moçambicanos.

Toda abstenção e falsa neutralidade nas eleições é uma atitude política e historicamente irresponsável. Seria recusar o dever e a responsabilidade de contribuir para o bem de todos, sublinha a carta pastoral.

A mesma acrescenta que o voto é exercido pessoal e presencialmente pelo cidadão eleitor; é livre e secreto e constitui um direito de cada cidadão.

Refere ainda ser necessário que os órgãos eleitorais intensifiquem a educação cívica para capacitarem os cidadãos sobre os procedimentos de votação livre.

Num outro passo, a carta pastoral aconselha a que na escolha de candidatos não se olhe apenas para o partido que este representa, mas sim para as qualidades de liderança que tem. É que na óptica do prelado, um líder competente é aquele que conhece profundamente a situação social, política e económica do país e pode ajudar a resolver os problemas do povo. Um líder honesto é aquele que não é corrupto nem tribalista, não favorece a uns em prejuízo de outros nem procura os seus próprios interesses ou do seu partido em prejuízo do interesse e do bem comum. Um líder honesto não move perseguição contra ninguém; é uma pessoa de palavra, digna de confiança de todos, a começar pelos militantes do seu próprio partido.

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