O Chapa 100, é uma síntese perversa da exploração dos trabalhadores através da prestação de um serviço público que por vezes custa-lhes a vida, ineficiente, cujo funcionamento é definido por regras políticas eleitorais e desprovido de fiscalização séria. A combinação destes elementos gera, ao longo de anos, uma situação que mais serve aos interesses dos empresários do sector em contrapartida às necessidades dos usuários: Nós o povo descalço!
Recentemente estive no Maputo, e pude viver na pele o que até então via pelas imagens que a TV têm captado nos últimos meses. Mas, para quem vive no Maputo, pode até lhe parecer que aquele martírio vive-se apenas por ai, mas fique bem claro, que outras capitais, como Beira e Nampula, esta última onde vivo, também o passam na maior normalidade de lamentações e conformismo dos utentes: Haa, deixa para lá! Vamos mesmo assim, são coisas de Moçambique.
Como decorrência destas situações, em cidades maiores e em regiões do país, ainda segue-se uma torrente de reajustes nos custos do chapa 100, nos municípios de médio e pequeno porte.
Atrasos nas paragens, veículos sujos e mal conservados, motoristas sem treinamento para lidar com o público, com jornadas de trabalho aviltantes, além de exercer por vezes o papel de cobradores, superlotação, micro-bus que enlatam os usuários, enfim, colocar em risco a vida os direitos dos cidadãos. Caberia ao poder político agir com isenção e rigor no cumprimento das normas estabelecidas, mas isto exigiria uma independência política pouco vista nas grandes cidades.
De pronto o reajuste expressa o quanto é caro andar de chapa 100. Na Cidade de Nampula por exemplo, um trabalhador que faz duas viagens por dia, vezes vinte e três dias úteis no mês, deveria gastar cerca de 230,00mts de seu salário, o que representa cerca de 20% do actual salário mínimo no país.
Mas a realidade, vai muito além do que deveria ser a regra estabelecida no funcionamento dos transporte públicos urbanos, pelos Serviços competentes, pois com a moda que já ganhou o terreno no país: com o encurtamento de rotas, o cidadão é obrigado em cada dia a subir 4 carros diferentes, o que lhe custa 460.00mts no final do mês, 2 vezes mais do que deveria pagar, porque os motoristas não aceitam o cumprimento de regras estabelecidas em relação a Praça de Partida até a Terminal conforme define a sua licença para o transporte de público.
Estas situações acontecem em quase todo o país, bem no nariz dos Polícias e Fiscais dos diferentes Conselhos Municipais, e eles, nada fazem para estancar a situação devido a muitas razões e simples de compreender: porque são subornados, ou porque o carro que comete tal facto pertence ao seu chefe e se atrever-se a aplicar uma multa, isto pode lhe custar o emprego, que o ajuda a manter a sua família e pagar livros para as crianças, então se há tantas vantagens assim, porque se arriscar?
Tal facto evidencia por si, que as tarifas dos transportes públicos não resultam de uma análise meticulosa do sistema de transportes urbanos e suas necessidades, muito menos do estudo pormenorizado de custos dos empresários do sector e das demandas dos trabalhadores, mas sim de interesses individuais.
A carência, de registos legais dos mesmos carros que transportam os passageiros nas grandes cidades, a dinâmica dos reajustes das tarifas obedece a uma lógica que denuncia a conivência entre a gana do poder político os empresários.
Um serviço público essencial com uma gestão que deveria ser efectivamente pública, portanto transparente e de domínio da sociedade, que é a verdadeira interessada no assunto, se transforma numa trama indecifrável que se escuda no autoritarismo e na sonegação de informações da gestão pública municipal. Nada mais interessante e atraente aos empresários.
Somente a participação popular poderia reverter este quadro! Mas interessa aos governos municipais vinculados a estes esquemas a abertura desta caixa preta? Para quem procura as razões de chapas caros e com funcionamento ineficiente, até estradas esburacadas, basta desnudar estes vínculos que as causas da “incompetência na gestão ” vão aparecer.
A rentabilidade dos empresários se amplia a partir da negligência deliberada por parte do poder político naquilo que é de sua competência: vistoriar e acompanhar o cumprimento das normas e regras do contrato que tem com os operadores dos transportes públicos. Estas são precárias, quando não inexistentes.
Observe-se, por exemplo, a inexistência de integração nos transportes em boa parte das cidades moçambicanas, caracterizadas pela conturbação e concentração urbana. O que explica um usuário descer num terminal, ou mesmo numa parada de bairro, e pagar outra tarifa para o deslocamento dentro do próprio município? A explicação transcende o campo da razão humana e ganha sentido apenas na lógica do lucro fácil à custa de trabalhadores que dedicam boa parte de seu orçamento aos gastos com transportes.
Se existisse um estudo profundo no custo dos transportes público no país, com certeza chegaria a uma conclusão: “Os gastos dos munícipes com transporte praticamente se igualam à despesa com a alimentação.
Porque, quanto a mim, para quem usa as chapas 100, de casa para o local de trabalho, gasta o mesmo para se alimentar, um sinal evidente de que ambas as coisas pesam demais no orçamento doméstico dos trabalhadores moçambicanos. Mas se os trabalhadores gastam muito com isso, outros segmentos ganham muito na outra ponta da linha.
A dramaticidade do problema ganha ares mais cruéis quando se observa que os trabalhadores públicos (professores, enfermeiros, polícias) são o grupo social que mais gasta com transportes públicos.
Uma mobilização organizada, a repulsa e a revolução popular seria o mais justo, necessário e oportuno para enfrentar esta pilhagem popular orquestrada justamente por aqueles que deveriam defender os interesses da população.
Por: Zacarias Milisse Chambe (Docente Universitário)
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